Cineastas que refilmam seus próprios filmes Por @DeniseCarvalho
Tão antigo quanto o cinema, fazer remake virou um hábito para a indústria de filmes. Em alguns casos o longa é apenas baseado no original, já outros é a cópia perfeita do início ao fim. O mais curioso é que vários cineastas, ao longo da história, resolveram fazer remakes de seus próprios filmes. Somente em 2008, dois cineastas de sucesso, o alemão Michael Haneke e o francês Francis Veber, lançaram novas versões de longas que eles escreveram e/ou dirigiram.
Outros grandes nomes do cinema, como Alfred Hitchcock, Frank Capra, Howard Hawks, fizeram o mesmo, com sucesso. Como disse o próprio Hitchcock, “estilo é plagiar a si mesmo”.
Funny Games (Michael Haneke, 1997), que significa jogos divertidos, foi refilmado e lançado em 2007, com o acréscimo de U.S. no nome. As duas versões são igualmente perturbadoras, mas após de dez anos o remake é capaz de provocar reações diferentes no telespectador. “Estamos habituados a ver um cinema calmante, de entretenimento, que não nos confronta com a realidade. Mas, se quisermos ver o cinema como uma forma de arte, somos obrigados a esse confronto. E isso, muitas vezes, choca o público de hoje em dia. Eu faço um filme para me confrontar, eu mesmo, com um tema que acho importante, grave. Nunca tenho a idéia de chocar” afirma Haneke.
O enredo é simples: uma família (mãe, pai e filho) decide passar o final de semana numa casa de campo, na Áustria. Nem acabam de se instalar e são surpreendidos pela visita de dois jovens, Peter (Frank Giering) e Paul (Arno Frisch) com o pretexto de estarem precisando de ovos. Os dois fazem a família de reféns e brincam sadicamente com eles. O longa é uma crítica aos EUA que transmite violência gratuita direto na televisão e na sociedade. “Por que ele fez isso? Haneke quis fazer um filme que fale direto com o público americano, que polemize o cinema de suspense e terror, como Jogos Mortais e O Albergue, que estão sendo feitos em abundância no país”, afirma o jornalista Renato Silveira, do site Cinema em Cena.
Haneke refilmou “Violência Gratuita” quadro por quadro. Ao contrário dos filmes Hollywoodianos, quase sempre muito coloridos, o longa tem o cenário e figurino quase todo branco, o que nos faz lembrar aquele grupinho maldoso de Laranja Mecânica (Stanley Kubrick, 1971). A nova versão de “Funny Games” é praticamente idêntica ao original, as falas são semelhantes e um fato curioso é que a casa onde ele foi gravado tem exatamente as mesmas proporções daquela usada no filme de 1997. As mudanças mais evidentes foram a troca do idioma (do alemão para o inglês, para atingir o público norte-americano, que não gosta de filmes legendados), e o uso de atores mais conhecidos do público ianque, como Tim Roth (O incrível Hulk) e Naomi Watts (King Kong). Curiosamente, Watts protagoniza seu segundo remake; o primeiro foi “King Kong”.
O remake de Funny Games não atingiu um público amplo, como Haneke pretendia. Sua renda na semana de estréia nos EUA foi de U$ 544, 833, a bilheteria total até agora é de pouco mais de 7 milhões de dólares. Mesmo assim, produzir um remake e ele ser bem aceito pelos fãs e críticos é um êxito que apenas os cineastas que refilmaram o próprio filme conseguiram.
Uma das melhores fases de Alfred Hitchcock quando ele ainda produzia seus filmes na Inglaterra, foi em O homem que sabia demais (1934), lançado em preto e branco e refilmado anos depois pelo próprio diretor, em cores. Foi o primeiro longa em que a nova versão superou o original, isso porque o cineasta teve mais recursos tecnológicos e em 20 anos ele pôde aprimorar algumas técnicas. Quem assistiu à refilmagem percebeu a diferença. O elenco, que antes contava com Cary Grant dando mais humor ao personagem, no segundo filme é protagonizado por James Stewart, que atuou em várias obras de Hitchcock. “O remake é mais decupado e mais rigoroso”, afirmou o crítico e cineasta François Truffaut.
Em “O homem que sabia demais” uma família, que está passando férias em Paris, vê um homem morrer e ele lhes revela um segredo. Isso se torna um grande problema, já que a filha do casal é seqüestrada para garantir que a família não revele esse segredo. “O homem que sabia demais” – o remake – é uma das obras-primas do Hitchcock e tem um dos finais mais angustiantes da carreira dele. O próprio cineasta considerava que a primeira versão era fraca, e por isso mesmo resolveu fazer o remake e o fez com enorme brilho”, afirma o jornalista e professor Leo Cunha.
Além desses cineastas que plagiam a si mesmo, existem outros que pegam uma idéia que já existe e produz o remake. É tarefa difícil produzir um filme e ainda torcer para ser bem aceito pelos fãs e críticos. Por isso, a refilmagem de um sucesso acaba se tornando uma boa saída. Tanto que existe um filme com o recorde de remakes feitos a partir dele. Tudo começou com a peça “Le Contrat” (1969) de Francis Veber. Ela foi bastante prestigiada nos palcos parisienses e teve sua primeira adaptação para o cinema feita por Edouard Molinaro, em 1973. Com o roteiro de Veber, o longa ganhou o nome de Fuja enquanto é tempo (L’ Emmerdeur). Depois veio o remake americano dirigido por Billy Wilder, em 1981, com o nome Amigos, Amigos, Negócios à Parte (Buddy Buddy). E em dezembro próximo vai ser lançada outra versão francesa, dessa vez dirigida pelo próprio Francis Veber, também chamada L’ Emmerdeur. Veber reproduziu além desse, outro filme de sua autoria, Os três Fugitivos em 1989 na versão americana, refilmagem de Os fugitivos de 1986, francês.
O cinema possui uma versatilidade inquestionável, que na produção de remake não parece ser muito evidente. Como “Violência Gratuita” ou qualquer refilmagem, a releitura é diferente, muitas vezes temos que ler nas entrelinhas para poder enxergar as variações. O filme Onde começa o inferno, de Howard Hawks é um clássico do western de 1959 protagonizado por John Wayne. O cineasta reproduziu o longa, com pequenas mudanças e com outro nome, chamado El Dorado em1967 e novamente convidou Wayne para fazer o papel principal. Um maravilhoso western, onde ler nas entrelinhas não é preciso, já que a nova versão se auto-explica pela qualidade.
A lista de cineastas que produziram um remake da própria obra inclui ainda, entre outros:
– Frank Capra, Dama por um dia (1961), refilmagem de Lady for a Day (1933);
– Anatole Litvaq, The woman I Love (1937), refilmagem de L’équipage (1935);
– Julian Duvivier, Lydia (1941), refilmagem de Um Carnet de bal (1937);
– Roger Vadim, And god created woman (1988), refilmagem de Et dieu créa la femme (1956);
– George Sluizer, The Vanishing (1993), refilmagem de L’homme qui voulait savoir (1988);
– Jean Marie Gaubert, Just Visitng (1999), refilmagem de Les visiteurs (1992), que ele assinou como Jean Marie Poiré.
Nos remakes produzidos em série, têm aqueles que merecem o devido destaque, já que foram bastante polêmicos. Como Hollywood produz filmes em massa, um para cada estação, o cineasta acaba ficando sem idéias e pegando uma que já existe. Desculpa bastante plausível, mas nada explica o fato desses remakes serem piores que o filme original.
Psicose (Hitchcock)
Um remake polêmico, criticado por muitos fãs, foi Psicose, refilmado quadro a quadro por Gus Van Sant em 1998, a partir do original de Alfred Hitchcock, de 1960. É preciso ter muita coragem para refilmar um dos melhores filmes do mestre do suspense. Uma vantagem perceptível da nova versão sobre o original é o som, mas é claro que na década de 60 o cinema não dispunha de recursos tecnológicos, como temos hoje. Nem assim, Gus Van Sant conseguiu recriar o clima de tensão que estamos acostumados a ver nos filmes de Hitchcock, como em Janela Indiscreta (Alfred Hitchcock, 1954). Este, por sinal, ainda não ganhou um remake. Mas quem assistiu Paranóia (D.J Caruso, 2007) conseguiu perceber a semelhança gritante entre os dois filmes. Pode ter sido apenas uma inspiração, mas para os proprietários dos direitos do conto não foi nada disso. Essa similaridade rendeu a todos os envolvidos, incluindo a DreamWorks e a Universal, um processo judicial.
Psicose (Gus Van Sant)
Em “Janela Indiscreta” um fotógrafo, interpretado por James Stewart, não pode sair de casa devido à sua perna quebrada. Sem nada para fazer, começa a observar os vizinhos, até desconfiar que um deles assassinou a própria esposa. Em “Paranóia”, o personagem de Shia Labeouf está em prisão domiciliar, e, para passar o tempo, observa a vida dos vizinhos através de sua câmera e também desconfia que o vizinho matou a mulher. Não dá pra negar que em “Paranóia” tem cenas de arrepiar. Plágio ou não, esse processo deve render, e os envolvidos se negam falar sobre o assunto.